Em recente passagem pelo Congo, o Secretário-Geral das Nações Unidas Ban Ki-moon assistiu a uma apresentação de crianças que participam do programa Capoeira pela Paz, uma inciativa do Governo brasileiro, desenvolvida em pareceria com o Unicef, associação monegasca AMADE-Mondiale e o Governo do Canadá.
Convidei meu muito querido amigo, Paulo Uchoa, Embaixador do Brasil na República Democrática do Congo, para uma entrevista na qual ele nos explica como a prática da capoeira tem ajudado a fazer do Congo um lugar melhor para crianças e adolescentes.
MP: Embaixador, o que trouxe o Secretário-Geral das Nações Unidas à República Democrática do Congo?
PU: Essa foi a quinta visita de Ban Ki-moon ao país. Em Kinshasa, a capital, ele manteve encontros políticos e participou da cerimônia de lançamento da primeira edição da Conferência sobre Investimento Privado na Região dos Grandes Lagos. Em Goma, capital da província do Kivu do Norte, o SG cumpriu agenda ligada a temas humanitários.
MP: Em que consistiu a agenda humanitária em Goma?
PU: Ban Ki-moon visitou o campo de deslocados internos de Mungote, assistiu a uma apresentação de capoeira por crianças desmobilizadas de conflitos armados e amparadas pelo Programa Capoeira pela Paz, e manteve encontro com o Dr. Denis Mukwege, fundador e diretor do Hospital Panzi, médico-ginecologista responsável por um dos mais importantes programas de tratamento para mulheres vítimas de violência sexual como arma de guerra.
MP: Que critérios foram usados para a escolha das atividades de sua agenda?
PU: Ainda na fase de preparação, o Secretário-Geral havia manifestado interesse em poder conhecer, durante sua passagem pelo Kivu do Norte, inciativas inovadoras e com real contribuição para o fortalecimento da segurança humana em áreas afetadas por conflitos. A inclusão de uma apresentação do Capoeira pela Paz deu-se em razão da abordagem inovadora dada ao tema da ressocialização de ex-crianças-soldados, classificado por Ban Ki-moon como relevante, e dos resultados encorajadores que o programa vem apresentando.
MP: De que forma esses resultados vêm sendo percebidos?
PU: Há muitas maneiras de se responder a essa pergunta. Retenho uma experiência que presenciei. Em agosto de 2015, o Chanceler Mauro Vieira veio à RDC, ocasião em que visitou, em Goma, o Centro de Trânsito do UNICEF que acolhe as crianças desmobilizadas e que estão em fase de ressocialização. Os gestores do programa e os assistentes sociais que acompanham o programa fizeram relato ao Embaixador Vieira de como o comportamento das crianças havia apresentado melhoras desde a introdução da prática do esporte. Outro aspecto importante foi o relato, ao Ministro, feito pelas próprias ex-crianças-soldados sobre sua experiência com a capoeira e o ímpeto que sua prática lhes desperta em poder retomar uma vida livre de violência.
MP: Que interessante. É isso que faz então do programa Capoeira pela Paz uma iniciativa inovadora e de sucesso no tratamento do tema?
PU: Com certeza. Uma pesquisa feita com os educadores do Centro de Trânsito revelou que, depois que certo grupo de crianças passou a praticar a capoeira, o rendimento escolar melhorou, o convívio com outras crianças passou a ser menos conflituoso e as crianças passaram a apresentar um comportamento mais estável. Tudo isso melhora as condições que precedem a reinserção da criança em seu núcleo familiar e na comunidade de onde ela vem e aumentam as chances de que essa reinserção tenha êxito, evitando que a própria criança volte a integrar voluntariamente o grupo armado.
MP: Como foi a apresentação ao Secretário-Geral?
PU: A apresentação contou com a participação de 24 crianças, entre 6 e 17 anos, algumas delas recentemente desmobilizadas. Um dos participantes convidou o Secretário-Geral a repetir alguns movimentos de um jogo de capoeira e a encenar um combate. Ban Ki-moon aceitou o desafio e mostrou-se satisfeito com o seu desempenho. Ao final, o capoeirista e ex-criança-soldado Baraka, de 16 anos, leu mensagem ao Secretário-Geral, pedindo sua ajuda para por fim aos longos conflitos que assolam a região.
MP: Que sucesso!
PU: Foi um grande sucesso. Antes de partir, Ban Ki-moon fez questão de cumprimentar individualmente todas as crianças e o Voluntário das Nações Unidas, que já viveu como criança de rua por vários anos em Kinshasa, que se tornou capoeirista e hoje é o responsável pelas aulas de capoeira aos ex-crianças-soldados.
MP: Em termos práticos, o que apresentação de capoeira ao Secretário-Geral da ONU representou para o programa?
PU: O interesse do Secretário-Geral da ONU pela iniciativa amplifica a relevância do programa Capoeira pela Paz, que, como o muito importante trabalho do Dr. Denis Mukwega, foi singularizado como contribuição positiva na complexa tarefa das sociedades RD congolesa e internacional de estabilizar a região leste da RDC, consolidando a paz e promovendo o bem estar de sua população.
MP