Vamos começar esta semana muito bem, nos deleitando um com mais um glorioso artigo do meu querido e inteligentíssimo professor Manoel Thomaz Carneiro. Cada um de seus textos, escritos especialmente para nosso blog, é uma lição de vida! MP
Desistências e Recomeços
“Ser tomado por uma música, um livro, ou um filme é para mim uma experiência necessária, pois me leva a sair do meu mundo para entrar no universo alheio. Uma segura saída, pois é vivenciada sem rupturas comigo mesmo. Por isso, considero um prazer viver outras dimensões, que sempre me conduzem a realizar muitas reflexões e elaborar aspectos da minha vida através do espelhamento que este outro me propicia. Quantas vezes uma cena de um filme, ou de um livro, nos reporta a um momento nosso, ou a algo que gostaríamos de realizar.
Ultimamente estou seduzido pela originalidade da escrita de Valter Hugo Mãe, em seu romance “O filho de mil homens”. Num trecho, ele nos oferece uma instigante descrição do aspecto subjetivo de um dos personagens, Isaura. – “Tão estranho que depois de tanto tempo e tanta mágoa pudesse pensar no amor. Amanhecera vazia, sem ninguém dentro de si mesma e foi como se encheu com a ideia de afinal ser impossível esquecer o amor…”
Esse amanhecer de Isaura, reportou-me ao acordar de muitas pessoas, um acordar assim, meio desossadas de si, sem saber exatamente o porquê e que só dispõem desta ausência interna para começarem o dia. Quantas vezes sentimos esta ausência de sentido na manhã, esta falta de direção… Quantas vezes acordamos com esta denúncia de nossa alma, sinalizando que está faltando alguma coisa em nossa substância para continuarmos a viver. O que fazer?
As palavras seguintes de Valter Hugo nos ajudam a encontrar um caminho reflexivo sobre estes momentos: – “…e, foi como se encheu com a ideia de afinal ser impossível esquecer o amor. Porque o amor era espera e ela sem mais nada, apenas esperava. A Isaura sabia que amava alguém por vir, amava uma abstração de alguém no futuro. Ela esperava o futuro, e esperar era já um modo de amar. Esperar era amar… Para dentro da Isaura a Isaura caía…”
Que linda esta imagem, Isaura dentro dela mesma ela caia, como por excesso de vazio que atuava como um imã interno atraindo si mesma para si. Não tinha para quem cair, mas caía no lugar certo: dentro de si mesma... Pois é ali que encontrará o seu recomeço.
O vazio não se torna desesperador porque para ela o amanhã era possível.
De que modo?
E, Valter Hugo Mãe prossegue – “E chorou… Aceitou chorar e havia muito que não o fazia… Talvez tivesse percebido que usava de honestidade consigo mesma pela primeira vez em muitos anos. Disse: estou sozinha.”
Podemos compreender que Isaura chorou para se esvaziar de seu passado e poder finalmente abrir espaço para um amanhã. Em cada lágrima a desistência do que não mais existia. Seu futuro se tornava possível porque se fez então disponível.
Toda vez que orientamos nosso olhar para o futuro, damos potência ao nosso presente, pois nos apropriamos de nossa destinação.
Se apropriar do futuro é arrumar espaço para ele, do mesmo modo que tiramos do armário o que não se usa para abrir lugar para o novo.
Quantas coisas podemos retirar de nossos cômodos internos liberando nossa vida de sentimentos vencidos e apegos a coisas sem validade.
Se alimentar de coisas datadas só faz mal, não fortalece pessoa alguma.
Como Freud disse, o recomeço é um trabalho de desligamento e que o apego ao morrido “ceda lugar à aceitação da realidade”. E, prossegue nos dizendo que aos poucos a ausência do objeto impõe ao ego um doloroso desligamento, até que se veja “novamente livre e desinibido”, pronto para novos investimentos. “Pronto para voltar a viver”.
Assim como todos os dias arrumamos para sair… temos que, também, todo dia arrumarmos certas ideias para ficarmos “Prontos para Viver”.
Você já percebeu que nossos olhos estão voltados para frente e se queremos olhar o passado damos as costas para o futuro?
Pois é…
Pra frente é que se anda.
Somos filhos de mil homens; Somos filhas de mil mulheres, pois somos a gestação contínua de nós mesmos.
Como Isaura, se esvazie para abrir espaço para o futuro.
Sem reter fantasmas, façamos sempre como em umas das canções de Linox
“Canta,
Joga o que resta pra fora
Mude esse jogo,
Que agora as coisas vão melhorar…
Nunca é tão tarde ou tão cedo
Tem horas que a gente não pode parar.
Procure manter sua calma,
Descubra com os olhos da alma
Que além da paisagem
É o recomeçar.” Manoel Thomaz Carneiro
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