Nosso BLOG, unissex, fala de um assunto que, em tese, é mais masculino. É que recebemos, hoje, a visita de um dos mais ilustre jornalista esportivo do Brasil e amigo querido, Fernando Calazans, que abre seu coração e nos revela suas primeiras lembranças de torcedor e como foi entronizado na paixão pelo esporte que, finalmente, norteou a sua vida e muito mais.
Para tanto, ele nos honra com o mesmo texto da sua estréia no “Globo a Mais”, vespertino para “tablet”, do “O Globo”. Torçam! BN
” ANOS DE JUVENTUDE”, POR FERNANDO CALAZANS!
Minha família rubro-negra e especialmente meu pai, o mais apaixonado de todos, que me conduziu pela mão ao Maracanã na primeira vez em que fui ao estádio, traçaram minha carreira de torcedor. O menino, com menos de dez anos de idade, não podia fugir à regra. Nem queria. Por sinal, sentiu-se muito orgulhoso com a camisa que até hoje chamam de “manto sagrado”, com a torcida contagiante na arquibancada e com o time voluntarioso no campo, vestido de vermelho e preto. Mas o amante do futebol, apreciador do jogo em si, do espetáculo popular e da autêntica arte de trabalhar a bola, individual e coletivamente, despertou um pouco depois. Não num jogo do Flamengo, o time do menino-torcedor, mas num jogo do Botafogo, sim, o Botafogo. Incoerência? Indecisão? Não sei. Coisas que acontecem, que envolvem paixão.E, excepcionalmente no caso, não muito difíceis de explicar. Aquele Botafogo era o Botafogo de Garrincha, Didi e Nílton Santos — três dos maiores jogadores que passaram pelo clube, pelo Brasil e pelo mundo. O Botafogo dos anos 50 e 60. Então o menino se dividiu assim: como torcedor de arquibancada, no meio da multidão, um rubro-negro de nascença; e, como devoto do esporte, do jogo jogado com beleza, um quase botafoguense. Uma explicação importante: quando os dois times se cruzavam, prevalecia o sentimento da família, do lar e do torcedor. Flamengo até morrer. Em qualquer outra situação, predominava o Botafogo, ou melhor, não o Botafogo, mas a admiração por Nílton Santos, Didi e Garrincha. Inesquecível Mané!
Com o homem da arquibancada, foi sempre assim, os anos passando. Até que o rapaz, numa jogada imprevista do destino, virou jornalista e, aí sim, os anos começaram a fazer diferença. O dia a dia do jornal, das páginas dedicadas à análise do esporte, foi adormecendo a paixão pelo clube e fortalecendo a paixão pelo jogo. Não me perguntem por quê. Restou a admiração pela arte do jogo de futebol. E, neste ponto de vista, muitos times passaram pelo olhar do admirador: o Santos, de Pelé e Coutinho, obviamente; o Cruzeiro, de Tostão e Dirceu Lopes; o Botafogo (de novo), de Gérson e Jairzinho; o Inter, de Falcão e Carpeggiani; claro, claríssimo, o Flamengo, de Zico, Leandro, Júnior, Andrade, Adílio… E outros poucos, sem esquecer os times e seleções de fora, igualmente encantadores. Sem esquecer, sobretudo, as seleções brasileiras de 58 e 62, a de 70, a de 82 (e, por favor, me poupem das que se seguiram, ao menos com o título de “seleção brasileira”). Até chegar aos dias de hoje, em que, para uma certa tristeza do crítico e do apaixonado pela arte (em várias de suas manifestações), o time mais admirado do planeta não está aqui, no Brasil pentacampeão mundial, mas na Espanha, mais especificamente em Barcelona. Castigo pela perda do amor clubístico? Quem sabe.
Castigo também, ou principalmente, para o apreciador exigente do futebol, que não vê hoje por aqui nem sombra do Botafogo de Garrincha, do Santos de Pelé ou do Flamengo do Zico. O menino-torcedor talvez não se incomode tanto com o atual estágio meio sem graça do futebol brasileiro. O velho crítico chato, que se acostumara com a beleza, este padece mais.