Infelizmente eu estava fora durante a visita do Santo Padre, o Papa Francisco (que fofo!!!!), ao Brasil. Chegando, só ouvi elogios, de todos- católicos, judeus, evangélicos. Ele é uma unanimidade e uma benção, aleluia!
O Professor Deonísio da Silva, hoje na volta das nossas férias, nos brinda com mais um artigo, desta vez sobre a visita do Papa e as palavras por ele escolhidas para falar aqui!
AC
O PAPA FALOU BEM E NÃO CHATEOU NINGUÉM
Deonísio da Silva º
Os padres letrados José de Anchieta e Manoel da Nóbrega eram jesuítas e aprenderam o Tupi-guarani para falar com os índios. O Papa Francisco, que também é jesuíta, aprendeu Português para falar com os brasileiros.
Entre tantas lições, o Papa mostrou que não é preciso baixar o nível para se aproximar do povo. Basta escolher as palavras adequadas ao contexto. Por exemplo, preferiu o popular botar, em vez de pôr, colocar. Em seu primeiro discurso, disse: “Cristo bota fé nos jovens, e os jovens botam fé em Cristo”.
Na quinta-feira, falando a mais de um milhão de pessoas na praia de Copacabana, recomendou: “Bote fé, bote esperança, bote amor”.
O Sumo Pontífice, que é poliglota, vem usando muitas gírias em suas falas, entrevistas e homilias na Jornada Mundial da Juventude.
Seu bom humor também já era esperado. No mês passado, comentando as semelhanças entre o Português e o Espanhol, disse de brincadeira: “o Português é um Espanhol mal falado”.
Suas falas no Brasil foram marcadas por expressões populares. Quando visitava a favela de Varginha, em Manguinhos, nos arredores do Rio, disse: “Vocês sempre dão um jeito de compartilhar a comida. Como diz o ditado, sempre se pode ‘colocar mais água no feijão'”. E perguntou ao povo: “Se pode colocar mais água no feijão?”. Aplaudido, completou: “Sempre! E vocês fazem isto com amor, mostrando que a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas no coração”.
Disse também: “Queria bater em cada porta, dizer bom dia, beber um copo de água fresca, beber um cafezinho. Mas não um copo de cachaça!”. O Papa escolheu por metáfora “um copo de cachaça”, a bebida mais popular do Brasil.
Todavia não foi apenas pelas palavras e expressões que ele cativou o povo brasileiro. Sem conteúdo, as gírias e expressões seriam apenas enfeites de suas falas, que entretanto comoveram a muitos pelo conteúdo e pela sinceridade do olhar, como quando disse: “Aprendi que para ter acesso ao povo brasileiro, é preciso ingressar pelo portal do seu imenso coração; por isso, permitam-me que nesta hora eu possa bater delicadamente a esta porta. Peço licença para entrar e transcorrer esta semana com vocês”.
Outro momento em que mexeu muito com as pessoas, foi quando declarou: “Não tenho ouro, nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo!“.
Esse Papa é uma boa pessoa. E o convívio com uma boa pessoa sempre nos faz bem! Foi o que aconteceu nos dias que ele passou no Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude, que este ano se realizou no Brasil. A próxima será na Polônia.
O convívio foi facilitado pela semelhança entre a língua materna do Papa e a língua do país anfitrião. Talvez, como disse o irreverente Bernard Shaw da Inglaterra e dos EUA, que seriam dois países separados pela mesma língua, argentinos e brasileiros são unidos por línguas diferentes, como de resto acontece, aliás, com o Brasil em relação a todos os países da América Latina.
Um traço histórico da formação dessas línguas é a presença do Latim como mãe comum, mas não o Latim clássico, presente nas estruturas sintáticas do Alemão, mas do Latim vulgar, do Latim tal como falado na Península Ibérica, berço do Espanhol e do Português, depois trazidos para Brasil e Argentina, respectivamente por portugueses e espanhóis no alvorecer do século XVI no caso do Brasil, e no findar do século XV, no caso da América Espanhola.
Imaginemos o jornalista Gerson Camarotti – sério candidato ao Prêmio Esso de Jornalismo com a emblemática entrevista que fez com Sua Santidade para a Globonews – tendo que entrevistar o Papa Bento XVI, cuja língua materna é o Alemão.
Ele teria dificuldades e travos que não teve com o Papa Francisco, pois este respondeu as perguntas em Português e só raramente recorreu ao Espanhol, muito parecido com o Português, mas com uma curiosidade: os brasileiros entendem o Espanhol dos argentinos, mas os argentinos raramente entendem o Português dos brasileiros. Talvez se esforcem menos do que nós para esse entendimento mútuo em línguas semelhantes.
Apesar de papas e cardeais serem todos poliglotas, poucos têm o domínio do Português, que, conquanto seja uma das línguas mais faladas no mundo, não tem a abrangência do Inglês, do Francês, do Italiano, do Mandarim, do Russo e do Espanhol. Os cardeais e os papas sabem também Grego e Latim, mas essas não são línguas de comunicação hoje no mundo.
Enfim, da visita do Papa ficaram coisas muito boas e, entre elas, a cálida convivência facilitada por línguas irmãs!
P.S. Partes deste artigo foi publicada na revista Veja, no blogue de Augusto Nunes, na versão on-line.
*escritor e professor, Deonísio da Silva é Doutor em Letras pela USP, consultor dos Dicionários Caldas Aulete e membro da Academia Brasileira de Filologia.
AC