Mais uma crônica maravilhosa do nosso sensacional professor Manoel que a cada dia nos ensina e nos surpreende com sua sabedoria. Ele nos faz pensar e repensar esta vida mágica, que vale MUITO à pena ser vivida!
MP
Tenho uma aluna que frequentou o curso que ministro no Rio de Janeiro, durante toda a gravidez. Quando alguns meses depois levou o filho para que o conhecesse, ao falar ele abriu um enorme sorriso e com os braços abertos começou a pular do colo da mãe em minha direção. Profundamente emocionado o peguei e lembrei-me das correntes médicas que afirmam sobre a identificação que os bebês têm com as vozes que foram presentes na gestação. Eu era para o inconsciente dele um ser identificado.
Na semana passada outra aluna grávida disse-me que sua menina está quase para nascer.
Pensei no tema daquela aula que abordava sobre os nossos noves meses na barriga de nossas mães e o nosso contínuo renascer. Na vida intrauterina vivemos o paraíso… Nele não há espera, nem faltas. Tudo o que precisamos é encontrado de imediato. Após um tempo de vivência nesta perfeita condição, nascemos para o mundo que nos aguarda e nele iremos viver e será nele que iremos construir a nossa história diante dos acontecimentos da vida, através do nosso modo pessoal de existir.
Um pouco mais tarde quando o bebê sai do colo, vai para o chão engatinhar e com isso inicia o aprendizado de se manter de pé para o firme caminhar.
Na verdade esta primeira etapa irá se repetir inúmeras vezes nas nossas vidas.
Todas as vezes que perdemos alguma coisa que consideramos perfeita ou paradisíaca, ou toda vez que perdemos alguém que consideramos necessário para a nossa existência, ou mesmo quando perdemos aspectos de uma realidade, necessitamos de um colo.
Uma pessoa, semelhante ao período do nascimento, ao perder uma condição de vida necessita encontrar um acolhimento. Mas do mesmo modo que um bebê não pode permanecer nele para sempre, nós também não devemos. Até podemos, mas nem tudo que podemos devemos, pois têm coisas que parecem boas, mas se forem vivenciadas para sempre, irão podar o encontro com a capacidade de se evoluir.
Assim como se coloca um bebê para engatinhar, devemos nas novas realidades que surgem nos colocar nos “engatinhamentos” para aos poucos aprendermos a caminhar nelas.
Cada condição perdida, um reaprendizado de equilíbrio, para mesmos trôpegos seguirmos através dos passos da continuidade.
As pessoas querem na vida as mesmas condições da realidade intrauterina, sem esperas sem faltas, protegidas e isentas de responsabilidades.
Sofrem por estarem infantilizadas nesses desejos.
Com corpos de adultos vivem os anseios dos corpos dos bebês. O mundo em que estamos exige o aprendizado do caminhar com o corpo físico, mas também impõe que se aprenda a caminhar com o corpo mental.
Cada habilidade desenvolvida cria em nossos neurônios novas conexões para que se faça permanente o que foi aprendido.
Cada ampliação na atuação promove a renovação do nosso modo de ser e de nosso cérebro. Tudo se desenvolve.
Viver bem a vida requer conhecer os aspectos reais dela. Têm pessoas que querem ficar distraídas para as coisas fundamentais e como disse na crônica publicada no mês anterior, se deprimem porque se desfocaram, se distraíram do aprender e do necessário apreender do que vida exige para viver bem.
Um dia já fomos o que engatinhou, o que tropeçou, o que começou e caiu, mas porque estávamos disponíveis e desejantes levantávamos e experienciavamos a gradual evolução.
Tudo que você faz, tudo que você é foi aprendido… Esse aprendiz capaz continua em cada pessoa. Em você, em mim, em todos… Esta capacidade se encontra disponível em nosso inconsciente. Se você der a voz de comando, o ser aprendiz que você foi, irá saltar em seus braços para realizar o re-equilíbrio diante das quedas ao chão. Depende da profunda confiança neste aspecto e da decisão em chamar para os seus braços este ser vigoroso do caminhar.
Enquanto reflito sobre isto, penso na decisão de Angelina Jolie e no modo como se conduz diante da realidade que ela se deparou.
É uma mulher que vive no mundo da visibilidade, casada com alguém igualmente inserido no mesmo contexto. Apesar da construção sobre a aparência, foi corajosa e para preservar a vida optou pela preventiva mastectomia dupla.
Angelina escreveu uma carta em que cada palavra reflete o significado que deu a tudo. Transformou a mutilação em missão de preservação de si e de outras mulheres. Ao invés de perder um futuro diante de um destino, ressignificou sua existência e traçou um texto de continuidade ao contexto de perda.
Angelina sem dúvida se torna um ícone mais profundo do que a beleza de um corpo, mas de um mundo psíquico calcado na força, no amor e na continuidade.
Quantos se sentem mutilados por outras tantas perdas e desistem de tentar os recomeços possíveis.
Angelina não se distraiu do que é essencial a vida.
Com certeza vai engatinhar sobre esta realidade, talvez passe momentos trôpegos, mas o empenho na vontade de caminhar vai fazê-la se erguer no equilíbrio.
Como afirmou o filósofo Jacques Derrida “Somos todos mediadores, tradutores.”
Somos realmente o que pondera e através da reflexão é que iremos traduzir um texto da realidade. Algumas pessoas mediam a favor de si mesmas diante dos acontecimentos, outras atuam a favor dos acontecimentos e totalmente contra si mesmas.
Em nosso íntimo há tudo que colocamos nele. Há aqueles que colocam muito amor próprio e assim adubam a existência. Somos na vida adulta a mãe geradora contínua de si mesmo.
Com amor a este ser internalizado que carregamos vamos nos conduzir aos bons estímulos de caminhar com força nos destinos que se apresentam sem pedir licença para chegar.
Quando estiver com medo diga a si mesmo como uma mãe amorosa; “Vem, vem meu grande amor, vem que você pode!”
Sua boa voz irá trazer para os seus braços o ser dos começos e recomeços. Sua voz irá chamar o ser que você já foi, o eterno aprendiz do caminhar.
Hoje enquanto corria, vi uma cena que me reportou ao tema desta crônica e como na vida nada é estático, resolvi partilhar nestas linhas o tocante testemunho.
Na altura do Copacabana Palace, um pai dizia para a pequena filha que tentava pedalar na bicicleta ainda com as duas rodinhas. “Força! Vai! Papai quando fez você com a mamãe botou esta força dentro de você. Vai filha!”
Pensei logo que o inconsciente daquela menina iria identificar aquela voz e fazer saltar a força para se impulsionar. Peguei emprestado este comando e me impulsionei para perfazer mais um pouco da minha corrida, aproveitei para ultrapassar a marca habitual.
A menina estimulada por aquela voz paterna, amorosa com certeza vai conseguir “bicicletear” muito pela vida.
Assim como Angelinas, Marias, Antônios, Maurícios e tantos outros que já reconstruíram o caminhar nos descaminhos, comande a si mesma com a voz de amor aos recomeços:
Vai filho! Força! Vai!”